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O triste Natal de Belém, a cidade do Natal por excelência

Belém, Palestina

Gary Yim | Shutterstock

Belém, Palestina

Francisco Vêneto - publicado em 26/12/23

A cidade palestina onde nasceu Jesus cancelou as festividades públicas do Natal deste ano - mas o contexto é mais complexo que o da guerra

Em novembro, no contexto da guerra em andamento entre o Estado de Israel e o grupo terrorista islâmico Hamas, a prefeitura de Belém, na Palestina, anunciou a remoção de todas as decorações natalinas “em luto pelas almas dos mártires e em solidariedade com o nosso povo em Gaza”. A prefeita da cidade onde Jesus nasceu, aliás, é cristã: Vera Baboun governa em coalização com políticos muçulmanos.

Pouco antes dessa decisão, as igrejas cristãs na Terra Santa haviam lançado um comunicado conjunto orientando os fiéis a priorizarem o aspecto espiritual do Natal em vez de celebrações “desnecessariamente festivas”, já que, devido à guerra, “tem havido uma atmosfera de tristeza e dor”, em que “milhares de civis inocentes, incluindo mulheres e crianças, morreram ou sofreram ferimentos graves”.

O texto não faz menção aos lados em conflito e por isso foi interpretado de distintas maneiras mundo afora: por um lado, como sinal busca pela paz; por outro, como uma demonstração da autonomia cada vez menor dos cristãos palestinos.

População cristã em declínio acentuado

De fato, é impactante a diminuição do número de cristãos palestinos. Eles chegaram a ser 11% da população local em 1922, caindo para 6% em 1967 e reduzindo-se hoje para menos de 1%.

Especificamente em Belém, que por motivos óbvios é uma cidade de imensurável importância para os cristãos, a população cristã era de 84% em 1922, mas já tinha caído para 28% em 2007. Atualmente, todas as estimativas a calculam como inferior a 20%.

Os cristãos palestinos, que na maioria são árabes, se concentram em poucas cidades, como a própria Belém, Nazaré e a capital, Ramala – que, aliás, foi fundada no século XVII por árabes cristãos. Além de minoritários, os cristãos são fragmentados: só em Ramala, mesmo com apenas 40 mil habitantes dos quais a grande maioria são muçulmanos, há cerca de dez tradições cristãs diferentes, entre elas a católica romana e a ortodoxa grega, que são as duas maiores, e também, em menor número, a copta, a católica grega, a luterana, a anglicana, entre outras.

A redução acelerada da presença cristã na Palestina costuma ser “explicada” de modo simplista como decorrente da emigração.

Mas o que leva os cristãos a terem de emigrar?

Restrições religiosas

Ehab Hassan é um cristão palestino que vive hoje nos Estados Unidos e não pretende voltar à Palestina. Ele mesmo afirma que, nos Estados Unidos, tem liberdade e segurança para criticar as autoridades palestinas, o que não teria na sua própria terra. Entrevistado pelo jornal brasileiro Gazeta do Povo, Hassan relatou que nasceu em família muçulmana, mas se converteu ao cristianismo em 2015 – e era o único cristão da sua vila.

Chama a atenção, no seu relato, a informação de que as igrejas cristãs em Ramala foram muito reticentes em aceitá-lo como membro: demorou três anos até que uma delas o aceitasse. E por quê? Hassan resume: os cristãos são relativamente protegidos pelo governo local, desde que não tentem converter muçulmanos. Por isso, as igrejas têm medo de represálias se aceitarem a adesão de muçulmanos convertidos.

Desconfiança das autoridades

Em 2020, o Centro Palestino de Política e Pesquisa divulgou um levantamento apontando que 23% dos cristãos palestinos pretendiam deixar o território, aumentando para mais de 50% na faixa etária dos 18 aos 29 anos. Eles também demonstraram desconfiança tanto no tocante às autoridades palestinas quanto às israelenses: 62% disseram acreditar que Israel pretendia removê-los, enquanto 77% declarou temer os fundamentalistas islâmicos.

Discriminação religiosa

No tocante às oportunidades sociais e econômicas na Palestina, 43% dos cristãos palestinos entrevistados disseram acreditar que os muçulmanos não querem a sua presença; 44% afirmaram que existe discriminação religiosa na busca por um emprego; pouco mais de 50% consideraram que a Autoridade Palestina deveria promover melhor as oportunidades de trabalho para os cristãos.

Gaza, um caso à parte

As difícies condições de vida dos cristãos mencionadas acima se referem à área da Palestina conhecida como Cisjordânia, separada da Faixa de Gaza. Em Gaza, região submetida ao controle do grupo terrorista Hamas, a situação é incomparavelmente mais dramática. Ehab Hassan chega a sintetizar: “A situação em Gaza é mil vezes pior do que em Ramala”. Restam em Gaza menos de mil cristãos.

Opressão política

Mesmo na Cisjordânia, a participação cristã na vida política é cada vez mais condicionada à sua adesão pública às diretrizes da maioria islâmica e anti-Israel. Ehab Hassan observa, na sua entrevista à Gazeta do Povo, que não é comum ouvir críticas de líderes cristãos locais às autoridades palestinas: “Você não pode criticar livremente a comunidade muçulmana ou as autoridades muçulmanas. Eles acusam Israel por tudo, mas nunca dizem nada sobre o Hamas”.

Cancelamento do Natal em Belém

Dadas as circustâncias, é difícil saber até que ponto a supressão das festividades natalinas na própria cidade em que nasceu Jesus não se deve ao medo de represálias locais. O que não é difícil constatar é que, sofrendo restrições à ação missionária, discriminação religiosa no cotidiano e opressão política sistemática, a tendência é que restem cada vez menos cristãos na Palestina para celebrar os Natais do futuro próximo.

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